sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Fome sem fim - uma cena de Rainha das Estrelas

Caríssimos, há um mês a editora Draco lançou a antologia Space Opera 2,  que contém, ao lado de obras de alguns dos melhores autores de FC do Brasil, como Fábio Fernandes, Carlos Orsi e muitos outros, uma noveleta chamada Rainha das Estrelas - Dias de Sangue na Área Vermelha. Escrevi o embrião dessa história estelar ainda na faculdade, nos corredores da Escola de Belas Artes, influenciado pelas cenas e personagens criados por meu amigo Osmarco Valladão. Décadas se passaram até que, respondendo ao convite de Hugo Vera, achei que deveria ressuscitar os rascunhos e recompor o universo rocambolesco de Rainha das Estrelas.



O resultado foram muitas páginas de ação ininterrupta que não chegaram aos leitores por questão de espaço. Por isso resolvi publicar cada uma das cenas aqui no blog e aproveitar para convidá-los a ler a versão impressa dessa space opera descabelada.

É bom que os leitores recém-chegados saibam que, em Rainha das Estrelas, a humanidade deixou a Terra há milênios e cada nação humana ganhou um planeta para governar. Veracroce, claro, é o Brasil, e cada uma das antigas cidades, com seus hábitos e costumes, tornou-se um país. Ryoh, território onde se passa a história, é governado há gerações pelo clã Delenda e encontra-se às portas de uma guerra civil, onde militares, o clero e o crime organizado estão em rota de colisão.

A cena abaixo apresenta um dos protagonistas da história, o Coronel Raga, um ciborgue taciturno e militar honrado, responsável pela caça e extermínio dos inimigos da Coroa. Também temos uma visão um pouco mais detalhada do príncipe Lorcas Delenda, último herdeiro da Casa Real e uma personalidade, no mínimo, curiosa.

Bem vindos a bordo, ou, como diria a tripulação da nave que dá título à história, “rum e glória!





    Ahmed Alexandrovitch Raga controlava a situação. O animal estava morto, apenas não sabia.

    Mira ajustada. Silêncio absoluto, mas o bicho ainda não se sentia seguro para a investida. E não seria honroso se não houvesse um ataque. Raga tinha de esperá-lo sair. Uma partida com chances iguais.

    A moita à esquerda do alvo farfalhou, o que acrescentava outro ingrediente ao dilema. Um tempero almiscarado.

    A narina direita de Raga captou o cheiro e a parte artificial de seu corpo adaptou-se à nova ameaça. Isso era injusto. Desativou o sistema automático com um toque da língua em um dente molar. Seria mais correto se dependesse apenas de suas habilidades manuais.

    A moita balançou, mais decidida. Raga manteve a mira no alvo inicial. O dedo repousava sobre o gatilho do fuzil e nada o tiraria dali a não ser a cara do adversário. Tudo era uma questão de quem desistiria primeiro.

    Então começou. O ruído do galope demorou a soar na floresta recém reconstruída. Galope não seria bem o termo, já que as patas se moviam de maneira diferenciada, como se o monstro corresse no sentido humano do termo, só que usando quatro patas. O tapir apontou a tromba dentada que, caso atingisse o alvo, o atravessaria como uma lança.

    Raga pressionou o gatilho. E o velho fuzil Enfield engasgou. A moita lateral abriu-se e deu lugar à cabeça de outro tapir, bramindo. Raga não se permitiu a distração. Abriu o fuzil e recarregou enquanto duas toneladas de carne avançavam.

    Quando voltou à posição de tiro, o primeiro monstro estava a dois passos de distância e o segundo atacava pelo flanco esquerdo. A mira não foi perfeita, mas o disparo atingiu a boca da fera. Apesar de tonto, o atacante não reduziu a velocidade, obrigando Raga a saltar para o lado antes da massa de carne trombar com o outro tapir, que caiu desajeitado.

    No carro lotado de membros da Coroa que assistiam à luta entre o marechal e os tapires, o coronel Cassis fez menção de sair em seu auxílio, mas Raga jogou fora o rifle carregado com projéteis anestésicos e acionou o sistema automático do exoesqueleto. Não tinha programado uma caçada sem armas de fogo, mas aproveitaria a oportunidade. Assumiu posição de ataque e esperou pelo segundo tapir. Assim que o bicho apontou a tromba dentada, Raga posicionou-se a seu lado. Com a mão mecânica agarrou-lhe a orelha e, fixando as pernas reforçadas por hastes metálicas no solo, puxou-o para baixo a ponto de expor o queixo do animal a um chute impulsionado por micro servomotores.

    O segundo tapir caiu a poucos metros de seu companheiro. Raga não se deixou levar pela vaidade. Não havia glória em vencer animais. O verdadeiro prêmio seria disputado em outras áreas. Ainda assim, havia o protocolo e qualquer vitória deveria ser ofertada à Coroa.

    O príncipe Lorcas Delenda, envolto numa elegante camisa estampada que pretendia funcionar como camuflagem de selva, e portando um chapéu de abas largas, aplaudia.

    – É sempre um prazer vê-lo em ação, Ahmed – disse – Às vezes penso que deveríamos erigir templos em honra a Anton Argo por ter jogado um cruzador espacial em você. Sua reconstrução cibernética foi uma benesse imprevista à Coroa.

    Se a piada o ofendeu, Raga não deu sinais de constrangimento. Como não sabia com qual dos Delenda falava, se o vivo ou um dos mais de setenta mortos, limitou-se a baixar os olhos.

    – É uma honra saber que minha atual condição é motivo de júbilo para Vossa Majestade.

    O príncipe ignorou a resposta atravessada e mudou de assunto.

    – E então? Teremos filé de tapir no jantar? Mando minha equipe de cozinheiros preparar os animais?

    – Infelizmente não recomendo, senhor. Os tapires de tromba dentada são muito nervosos. O sangue deve estar poluído por substâncias tóxicas advindas da raiva e do medo, sem falar no teor do sonífero que usei para derrubá-los. Lutaram com bravura, deixe-os viver.

    Lorcas Delenda olhou para o resto de sua comitiva de cinco homens apertada em dois bancos e acenou. Em resposta, saltaram do veículo e correram em direção aos animais adormecidos portando cutelos e escalpeladores.

    – Não precisa se preocupar com nossa saúde, Ahmed, temos antídotos para todo tipo de veneno – e puxando a aba do chapéu para cobrir os olhos, completou:

    – A Coroa tem fome.

3 comentários:

José Antonio de Oliveira disse...

Interessante. Muito interessante.

Octavio Aragão disse...

Pois é, Zé. A cada semana um dos personagens de Rainha das Estrelas ganhará um “spotlight” aqui o blog para temprear a leitura da versão impressa lançada pela Draco na antologia Space Opera 2. Enquanto isso, fico aqui pesquisando para a segunda parte da saga estelar.

Leonardo Peixoto disse...

Entrando no clima espacial do texto , gostaria de deixar o link de um canal do YouTube com a primeira série de Macross completa e dublada , https://www.youtube.com/channel/UC05EruM1lsoxCowUC_rC70g/videos .