domingo, 8 de janeiro de 2017

Cinco filmes de Ficção Científica que você jura que não são Ficção Científica (mas são)

A definição de Ficção Científica consegue ser quase tão fluída e arredia quanto a de "Design", "Rock'n Roll" ou mesmo "Cultura". Há quem diga que são histórias onde a tecnologia assume um papel preponderante ("retire os elementos de FC e veja se a história se mantém. Em caso positivo, não é FC"), há os que focam na questão racionalista (tudo tem de ser meticulosamente explicado e crível por métodos que se aproximam do científico), sites especializados arriscam – "gênero cujos conteúdos se baseiam em supostos feitos científicos ou técnicos que poderiam acontecer no futuro" – e até a Wikipedia acha que sabe do que está falando: "gênero literário desenvolvido no século XIX, que lida principalmente com o impacto da ciência, tanto verdadeira como imaginada, sobre a sociedade ou os indivíduos". 

Todas essas definições podem ser consideradas corretas, mas, vamos lá: 


A – Retiremos os elementos de FC de, digamos, Star Trek e o que temos? Uma série sobre aventureiros militarizados visitando novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve", só que em um navio, no século XVIII. Tudo, absolutamente tudo, se mantém, incluindo as orelhas pontudas do Sr Spock, clara referência a personagens orientais clichezados como Fu Manchu ("Perigo Amarelo", olha aí). Star Trek deixa de ser FC por causa disso? Não. Nem um pouco.


B – Credibilidade científica. Sei... então vamos retirar H. G. Wells do jogo, porque não era isso que o escritor britânico amigo de Lênin buscava, mas metáforas onde a FC entrava como grande ferramenta narrativa, sem lá muitas explicações coerentes (alguém entendeu como Griffin virou o Homem Invisível?  Como funciona a Cavorita? Ou mesmo a Máquina do Tempo?). Nah, mas Wells é indubitavelmente FC, assim como a mãe de todo o subgênero, Mary Shelley, escritora mais do que displicente na hora de "explicar" como a vida despertou o corpo da criatura, em Frankenstein.


C – Feitos tecnológicos que possam acontecer no futuro. Nem toda a FC acontece no futuro. Algumas das melhores acontecem no passado, como por exemplo, dentre uma miríade de romances, Darwinia, de Robert Charles Wilson, que se passa no século 19, e a saga Clan of The Cave Bear, situada na pré história. Mais uma vez, nada disso deixa de ser FC por não se passar em um hipotético futuro.


D – O impacto da ciência sobre sociedades ou indivíduos. Hmm... essa é mais capciosa, mas vamos lá: qual ciência? Os mais afoitos, certamente, se aferrariam às exatas, as míticas engenharia fogueteira robozeira, química ribofunkeira recombinante ou mesmo biologia bacteriológica biorrítmica. Mas e a sociologia, a psicologia ou até a História com H maiúsculo? Todos lembramos da série Fundação, certo? Para além dos foguetes e dos milagres tecnológicos, qual a grande sacada da obra de Asimov? Aquilo que ele chamou de "psico-história', que misturava matemática estatística, sociologia, psicologia e história em uma ciência que estudaria (e anteciparia) o comportamento humano. Sociologia... História... Psicologia (que até hoje nem é considerada como ciência propriamente dita)... tudo isso é material farto para histórias de Ficção Científica dignas desse excelso nome.


Em tempo: sabiam que o primeiro nome da Internet seria "psicohistória"? Esse era o nome que Tim Berners-Lee queria para o projeto World Wide Web, pois seria o receptáculo de todo o conhecimento da humanidade. Não rolou, mas isso não impediu o surgimento dessa nova ciência em nossa realidade, vejam só...





Mas divirjo, o fato é que há muitas obras que se enquadram no gênero mesmo sem as questões apontadas acima. Elenquei cinco filmes bastante populares que são indubitavelmente FC, mas que não são facilmente classificados como tal aos olhos do grande público.


1) A GUERRA DO FOGO (1981)

Uma grupo de caçadores neolíticos sai em jornada de resgate do bem mais precioso de sua tribo: uma chama.
No caminho, descobrem como lidar com outras tribos, animais e, finalmente, mas não menos importante, o amor. 

Por que é FC? Porque tudo é uma grande suposição de como as coisas aconteceram – baseada no trabalho de grandes nomes da ciência e da especulação científica. Por exemplo, a linguagem dos homens primitivos utilizada no filme (completamente funcional, diga-se de passagem) foi  criada por ninguém menos que Anthony Burgess, o autor de Laranja Mecânica.










2) O SHOW DE TRUMAN (1998)
A vida de um homem é o projeto de um produtor de TV. Tudo na vida de Truman é calculado dentro de uma trama televisiva, visando manipular os afetos – e a publicidade – do planeta. Truman é o homem mais famoso do mundo, mas, para azar dele, só desconfiou que sua vida é uma farsa meticulosamente elaborada há um dia. 

Por que é FC? Porque se trata da extrapolação da sociedade do espetáculo até seu limite mais extremo (do qual, pelo visto na última década, graças aos reality shows, não estamos muito distantes).









3) O 13º GUERREIRO (1999)

No ano 922, um embaixador árabe é enviado para conhecer e contactar... vikings. Até aí, tudo bem, mas os problemas começam quando o grupo de exploradores é chamado para ajudar uma aldeia nórdica a combater misteriosas criaturas noturnas e carniceiras.

Por quê é FC? As ameaças combatidas pelo grupo de aventureiros não tem nada de sobrenatural. Contar a natureza dos "monstros" estragaria a surpresa, mas basta dizer que genética e antropologia fazem parte conceitual desse filme baseado na obra de Michael Crichton, autor de O Enigma de Andrômeda, Jurassic Park e diretor do primeiro filme Westworld








4) RASTRO DE MALDADE (2016)


Nos últimos anos do século 19, uma cidade no oeste dos EUA sofre ataques do que seria uma tribo de índios ainda não identificada. Infelizmente, as flechas estranhas e os corpos macerados são apenas o primeiro passo em uma jornada de horror onde nada é o que parece.

Por que é FC? Como o filme anterior, mas de maneira ainda mais efetiva, a base dessa história é uma extrapolação sobre a antropologia.











5) ALGUM LUGAR NO PASSADO (1980)


O romance entre o teatrólogo da segunda metade do século 20 e a atriz nascida no século 19 só acontece depois que o diretor recebe um relógio de presente de uma misteriosa senhora, se apaixona por um retrato da diva e viaja no tempo para encontrá-la. Uma vez no passado, deixa o relógio com a amada, pedindo que ela o reencontre no futuro, estabelecendo um ciclo infinito (e, de lambuja, a história de amor definitiva).

Por quê é FC? Todo o processo aparentemente maluco de viagem no tempo por auto hipnose pode ser considerado uma interpretação criativa do conceito do Gato de Shrodinger, um dos preceitos da mecânica quântica. O físico Edwin Schrodinger explicou o comportamento "ilógico" das partículas subatômicas usando uma metáfora que incluiria um gato e uma caixa indevassável. Na situação proposta por ele, o gato inserido na caixa ficaria à mercê de partículas radioativas. Se tais partículas circulassem pela caixa, o gato morreria e, caso não circulassem, ele permaneceria vivo. Certo, mas do ponto de vista subatômico, ambas as possibilidades coexistem simultaneamente (perdoem o redundância, mas nesse caso é importante) e o gato estaria vivo e morto. Vejam bem, não "vivo ou morto", mas "vivo e morto". As duas opções seriam válidas até o momento em que decidíssemos abrir a caixa e, então, a realidade convergiria para apenas um estado, aí sim, "vivo" ou "morto". Repetindo: antes de abrirmos a caixa, as duas opções são reais. Depois de abrirmos a caixa, apenas uma existe. Fui claro? Então voltemos ao filme.

Ao se descobrir irremediavelmente apaixonado pelo retrato da atriz que teve seu auge no início do século 20, Richard, o diretor, decide se fechar em um quarto de hotel no qual ele sabia que a atriz havia habitado. Cercado de móveis da época, vestido em uma roupa do período e sem nenhum indício que o remetesse à sua realidade presente, Richard induz a própria mente a um estado de transe. Após algumas tentativas, Richard abre os olhos no mesmo local, mas em outro tempo. Seu corpo, porém, continua deitado no século 20, enquanto "outro corpo" levanta da cama e "vive" no passado. Ou seja, Richard tornou-se o "gato de Schrodinger"estando, ao mesmo tempo, em dois espaços/tempos (porque, em termos quânticos, espaço = tempo). Enquanto sua imersão induzida não é interrompida por estímulos externos advindos de seu tempo de origem, Richard permanece – efetivamente – no passado, mas no momento em que uma moeda contemporânea aparece em seu campo de visão, o efeito é como se alguém abrisse a tampa da caixa do gato de Shrodinger e, em consequência, ele volta ao presente, ou seja, apenas uma realidade torna-se possível. Eis como um dos filmes mais românticos e "água com açúcar" de todos os tempos (pun intended) torna-se uma obra ímpar de Ficção Científica. Mas também não seria de se estranhar, já que o autor do romance original é Richard Matheson, criador de pérolas da FC como o romance Eu Sou a Lenda e o conto A Caixa, ambos também adaptados para o cinema.


Finalizando, o elemento importante para definir o subgênero da Ficção Científica não me parece ser a presença tecnológica, a determinação futurista ou mesmo o estabelecimento de com qual ciência estamos lidando, mas o potencial extrapolativo – eita, palavra feia – de uma questão (será possível viajarmos no tempo? Neandertais teriam sobrevivido por mais tempo que pensamos? Como terá sido a descoberta do amor em decúbito frontal?) desenvolvido em forma ficcional. O melhor nome, então, talvez fosse "ficção extrapolativa", como alguns já tentaram oficializar, mas convenhamos que soa mal ao ouvido, parece pretensioso e inacessível. Por outro lado, a definição "ficção que desenvolve o potencial extrapolativo de uma questão ligada ao desenvolvimento humano" me parece bastante satisfatória. 

7 comentários:

Gabriel Boz disse...

Excelente artigo Octavio,me surpreendeu perceber que todos os filmes da lista, tirando o Bone Tomahawk que ainda não vi, são filmes que assisti e me marcaram de alguma maneira, até o 13 guerreiro que muita gente não gostou e eu adorei...Taí a explicação...São FC, meu gênero favorito :)

Octavio Aragão disse...

Pois é, Boz. Não perca Bone Tomahawk, pois é um baita filme. Perturbador, mas ainda assim imperdível (ou talvez por isso mesmo).

Leonardo Peixoto disse...

Tenho assistido ultimamente muitos capítulos de Kubanacan , onde a ficção científica se fazia presente pela bomba de nêutrons Fênix e a viagem no tempo de Leon . Que tal uma matéria sobre ficção científica nas novelas ?

Octavio Aragão disse...

É uma ideia.

Unknown disse...

Sempre gostei da filmes. São muito interessantes, podemos encontrar de diferentes gêneros. De forma interessante, o criador optou por inserir uma cena de abertura com personagens novos, o que acaba sendo um choque para o espectador, que esperava reencontrar de cara as queridas crianças. Desde que vi o elenco de A Torre Negra imaginei que seria uma grande produção, já que tem a participação de atores muito reconhecidos, Pessoalmente eu irei ver por causo do ator Matthew McConaughey, um ator muito comprometido. A Torre Negra 2017 para Eles são uma ótima opção para entreter, além disso, acho que ele é muito bonito e de bom estilo. Não posso esperar para ver a nova temporada, estou ansiosa.

Octavio Aragão disse...

Ainda não vi a versão cinematográfica de A Torre Negra, Eleonora, mas li a série literária de cabo a rabo e acho que ficarei decepcionado se o filme não for minimamente aceitável. Ainda assim, gosto de McConaughey e de Idis Elba.

Paulo Otávio Barreiros Gravina disse...

Ótimo texto e ótimas referências! Acho inclusive que outros filmes de gênero mesclado podem ser incluídos, como os muitos de viagem no tempo, de dia que se repete, de transferência de consciência e até "Quero Ser Grande". Só uma coisa: em que sentido psicologia não pode ser considerada ciência propriamente dita?